terça-feira, 5 de maio de 2009

Arapucaia – mais recente apresentação do grupo Forte Casa Teatro – vem pra rua e pede passagem

A praça Dom Orione, no Bixiga, será palco, no dia 10 de maio, às 12:00h, da estréia da peça Arapucaia, concebida a partir da obra de Bertolt Brecht, Ascensão e Queda de Mahagonny.
A adaptação, montada pelos integrantes do grupo Forte Casa Teatro, busca trazer para mais perto do espectador brasileiro – pessoas das mais diversas origens que transitam pelas ruas da cidade – a própria peça e as idéias que o dramaturgo alemão expõe através dela.
A apresentação da peça – dirigida por Magê Blanques, com elenco de dez integrantes , incluindo Rebeca Braia, Érika Coracini e Wilson Mandri e direção musical de Luciano Carvalho - se dá num momento propício: ela foi escrita durante a chegada do furacão que provocou a Grande Depressão, 1928 a 1929, e está indo para a rua de São Paulo quando as novas turbulências, mais uma vez por estouro de gigantescas bolhas nas bolsas estadunidenses, volta a mergulhar a economia mundial numa crise que questiona os próprios fundamentos a partir da qual essa economia funciona.
Assim como na apresentação anterior, Alembrar, a fábula de uma cidade, agora Arapucaia, serve de pano de fundo para colocar diante do espectador a discussão da arte e seus valores reais, no momento em que a sua mercantilização atinge o paroxismo e a reduz a uma mercadoria acrítica que busca garantir a venda através do estímulo apenas sensações às pessoas, as quais ela, paradoxalmente, anestesia.
Essa contradição é exposta ao passante na rua, que é atraído até a peça pela música, vestuário, cenário, ousadia gestual, mas em particular pelo uso de elementos do carnaval, a exemplo do estandarte com o nome da cidade onde tudo será permitido na busca do prazer, menos a falta de dinheiro para pagar por ele. Da falta de dinheiro nem mesmo o herói, que salva a cidade da crise – mergulhando-a nela mais fundo ainda – é poupado.
Logo na abertura – o espectador é chamado a se confrontar com a submissão ao dinheiro e até que ponto ele transforma as suas vítimas em vítimas orientadas para a fuga e não para o enfrentamento – “quanta riqueza, quanto prazer// é maravilhoso seus problemas esquecer” e logo a seguir: “salve salve Arapucaia// salve a terra em que pagando tudo dá”.
As idéias do Teatro Dialético estão presentes no uso das máscaras, instrumento dramático desenvolvido pela Commedia dell’Arte, objeto de pesquisa do Forte Casa Teatro, desde a sua fundação há cinco anos, que atende à necessidade de gestação do efeito de distanciamento, que como aponta Brecht, se faz necessário ao aguçamento da
participação crítica do espectador, elas compõem – junto com o cômico, a distorção da voz, o absurdo das situações, o trágico do beco em que todos os personagens (anestesiados e submetidos às leis de mercado que dominam Arapucaia) estão metidos – o Gestus dramático (conceito brechtiano usado na orientação dos atores de suas peças) - a serviço da elucidação da realidade, sem perda do impacto e da criação artística – proposto por Brecht.
É nesta condição que o espectador é colocado diante de um impasse questionador – em que ele se encontra no momento do Brasil e do mundo – quando os personagens Sem Eira, Nem Beira e Lucrécia entram na primeira cena, intitulada “De como foi criada a maravilhosa, incrível e estupenda cidade dos prazeres ou, se correr o bicho pega, se ficar a gente come”, camuflados dentro de uma vaca circense e iniciam o diálogo:
Nem Beira – Por que parou? A gente não tinha que ir pra frente?
Sem Eira – Pra frente não dá. Pra frente é pântano, cheio de jacarés e crocodilos
Nem Beira – Então a gente não vai pra frente(....)
Sem Eira – Então a gente não pode ir pra frente. Então vamos pra trás.
Nem Beira – Não! Pra trás ta cheio de polícia querendo pegar a gente.
Sem Eira – A polícia! Então a gente não vai pra trás!

Daí em diante, com a solução ao impasse dada pelos personagens, surge uma cidade nova em que, como observa o próprio Brecht em seu texto “Notas sobre Mahagonny”,
“assistisse ao nascimento de uma noção de valor cujo fundamento é capacidade de exploração comercial [do trabalho dos criadores]”.
E ainda como afirma o autor, no mesmo texto, ao destrinchar esta realidade diante do espectador, percebe-se que agora “o indivíduo encontra-se cada vez mais implicado nos grandes acontecimentos que transformam o mundo” e se tornou “impossível ‘exprimir-se’ somente”.
O vício que a peça denuncia, a partir de domingo na praça Dom Orione, como ele afirma, em sua crítica espantosamente atual, é “o fato das engrenagens não pertencerem à comunidade [e, em nosso caso, com o predomínio midiático estrangeiro e monopolista, nem mesmo ao país]; os meios de produção não são ainda dos que produzem, de modo que o trabalho tem a característica de uma verdadeira mercadoria, submetida às leis do mercado”.
Um sistema, que como canta a letra da música que encerra o espetáculo, exalta: “Pelas roupas de marca// Pelo crédito pessoal// Pela propriedade privada// Pelo sexo seguro// Pela justa distribuição dos bens divinos// Pela injusta distribuição dos bens terrenos// Pela comercialização do amor// Pela criança esperança//; uma ideologia, em que, no entanto, como é título da cena conclusiva, “a cidade faliu, o sistema faliu”.

Nathaniel Braia

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